Com Negri, e para muito além dele, o que define as multidões é a recusa ativa do rosto em proveito das singularidades irredutíveis de um corpo social criativo, múltiplo, anônimo, potente, inclassificável e incoercível. Nessa guerra de guerrilhas entre corpos indisciplinados e rostos despóticos, as máscaras podem desempenhar, ainda hoje, a função que tinham para os primitivos que, muito antes de Nietzsche ou de Foucault, conheciam a guerra como relação social fundamental. Como atestam Clastres e Sahlins, a função da guerra nas sociedades primitivas era a de conjurar o aparecimento da forma-Estado na chefia, da sociedade dividida, da conversão irracional de suas sociedades de abundância e de lazer em e sociedades-para-a-acumulação. Sociedades centrífugas, que perseveram no seu ser-para-o-múltiplo. O Estado e o rosto são os antípodas da política – antes uma máscara diabólica para assegurar uma cabeça bem atarrachada ao corpo. No Brasil, as ruas assinalam muito mais que uma acumulação primitiva de democracia; marcam, em coextensão com ela, a emergência de uma nova noção de espaço público, completamente emancipada do Estado e para além de sua métrica: desejo de desfazer o rosto, de multiplicar o múltiplo, de ser-contra-o-Um.
Giorgio Bertini
Research Professor on society, culture, art, cognition, critical thinking, intelligence, creativity, neuroscience, autopoiesis, self-organization, complexity, systems, networks, rhizomes, leadership, sustainability, thinkers, futures ++
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